Santa
Barbara era uma pequena cidade localizada ao Sul do Brasil, com menos de 10 mil
habitantes de ascendência europeia. A cidade já havia sido muito visitada por
turistas de outras partes do Brasil, que frequentavam apenas para conhecer mais
dos costumes europeus, ver os casarões antigos, monumentos históricos, mas com
o passar dos anos foi ficando esquecida.
Chovia
forte naquela noite, o vento açoitava as árvores nas ruas á ponto de conseguir
derrubá-las, o frio predominava e castigava sem dó os moradores da cidade. Carl
Saint James acordara com o barulho da tempestade que caía sob teto de sua
pequena casa mal cheirosa fazendo com que a casa rangesse a cada trovejada.
Carl
era um velho na faixa dos sessenta e três anos, com barba por fazer,
restava-lhe uns poucos cabelos brancos, era ascendência inglesa, de uma antiga
família que fugira para o Brasil no inicio do século XX, durante á Guerra, fumava
maços atrás de maços de cigarro fazendo com que tossisse até cuspir sangue, extremamente ranzinza, que se queixava da mesma coisa repetidamente e
quase não tomava banho. Ele vivia sozinho na velha casa da família desde o dia
em que perdera á esposa em um estranho acidente de carro passando a criar
sozinho sua filha Samantha, que há muito não via.
-
Diabos! Um velho não pode dormir em paz sem ter o teto destruído por uma
maldita chuva! – praguejou ele.
Resolveu
descer até a cozinha para tomar umas cervejas, já que a chuva arrancara-lhe o
sono, calçou os chinelos e chutou umas garrafas que estavam jogadas pelo quarto.
Descendo as escadas que rangiam como os lamentos de uma velha decrepita, um
raio iluminara o aposento, Carl pensou ter visto algo no quintal. Parou em
frente á janela e ergueu a cortina para verificar. Não havia nada além de um
cão que latia do outro lado da velha cerca de madeira que Carl construíra.
Sentou na velha poltrona, ligou a televisão, colocou no noticiário local e
acendeu um cigarro.
O
repórter estava de frente ao cemitério da cidade, falando qualquer coisa que
Carl não entendia devido ao barulho da chuva. Aumentou o volume.
-
A policia está investigando o desaparecimento dos corpos que foram retirados da
cripta onde a antiga família Van Herz está sepultada. Vamos falar com o
Delegado da cidade para saber mais informações:
-
Delegado, o senhor pode nos dizer o que houve aqui? – perguntou o repórter que
estava com o rosto vermelho devido ao frio.
-
Não sabemos dizer ao certo, mas creio que tenha sido alguns adolescentes
rebeldes querendo chamar á atenção. Nada que não possamos resolver.
Afirmou
o Delegado sem muita convicção, deixando espaço para novas perguntas na qual o
repórter fez questão de fazê-las:
-
Mas como os adolescentes entraram? Não há sinais de arrombamento, essa é a
cripta mais bem lacrada da cidade. E como simples adolescentes levariam mais de
cinco cadáveres? – perguntara o repórter incrédulo.
O
delegado afagou o cavanhaque, olhando para o portão do cemitério como se
estivesse pensando na hipótese e por fim disse:
-
Não temos certeza do número de pessoas, mas nossa meta agora é encontrar esses
cadáveres, sem mais. – disse o delegado encerrando o assunto.
O
repórter ficou quieto por um segundo e voltou a falar do estranho
acontecimento, perguntando ao âncora do telejornal qual era á opinião dele.
Há
essa altura Carl estava quase pegando no sono quando ouviu um barulho do lado
de fora, esperou para ter certeza de que ouvira mesmo alguma coisa ou se foi só
‘barulho da maldita chuva’. Carl
ouvia passos, passos lentos, um arrastar de pernas
mais lentos que o dele próprio.
- Diabos! Só pode ser
ladrões. O que esses vermes querem roubar de mim?
O
cão começara a latir e Carl não sabia dizer se era por conta dos trovões ou outra coisa. Pegou o taco de beisebol e seguiu lentamente em direção á
porta, olhou pela pequena abertura da janela e nada viu além do cão que
continuava á latir para a casa de Carl.
-
Cale a boca cachorro dos infernos! Já não basta o barulho dessa maldita chuva, agora você começa a latir, seu miserável! – gritara para o cão da janela de
casa, mas ele não parara de latir.
Voltou a se sentar na poltrona praguejando pela
existência de cães no mundo e resmungando sobre o tempo ruim, quando um raio e o vento forte derrubava uma árvore
fazendo com que colidisse com o poste de luz, arrancando todos os fios deste e
deixando Carl na escuridão. O cão passou a latir mais alto, fazendo o velho
perder a paciência. Pegou a arma que guardava embaixo da almofada da velha
poltrona, pegou a capa e saiu.
-
Cachorro insolente vou acabar com isso agora, seu
vermezinho. – ralhou o velho pela milésima vez escorregando nas poças d’agua pelo
caminho. Quando Carl chegou até a cerca de madeira para dar um fim ao cão que
latia, nada encontrou. Olhou em volta para ver para onde fora, mas não havia
nada era como se o cão nunca estivesse estado ali perturbando o sono do velho.
Algo
gelado correu pelo pescoço de Carl, fazendo o velho estremecer. Logo notou que
a capa estava rasgada na touca e estava se molhando. Correu bamboleando de
volta para casa com os dedos dos pés rígidos de frio. Quando trancou a porta um
estranho cheiro chegou ao nariz, um cheiro que o fizera tossir de ânsia. Tirou
a capa e largou-a no chão, seguiu em
direção a sala com a arma na mão,
havia alguém na casa.
O
cheiro de podridão aumentava á cada passo que o velho dava ao chegar próximo á
entrada da sala, um frio percorreu sua espinha. Uma estranha sensação de medo
se apoderou dele, Carl não sabia de onde vinha esse medo, mas sabia que tinha
que sair daquela casa o mais rápido possível. Mas ele não conseguia se mexer,
estava paralisado, como se algo o impedisse de sair. Quando o velho olhou para
a poltrona em que estivera sentado minutos antes o choque fez com que deixasse
a arma cair com estrépito. Carl não acreditava no que estava vendo, sua mente
velha estava pregando-lhe uma peça e que brincadeira de mau gosto!
-
Olá querido, está tudo bem? Parece assustado!
- disse a estranha criatura, fazendo com que o cheiro ruim
intensificasse.
Carl
a olhou e sentiu um estranho vazio dentro de si, achava que estava sonhando e
queria acordar. Não era possível, ele bebera demais e estava vendo coisas, mas
não podia ser aquilo era muito real para alguém que estava bêbado imaginar. Criou
coragem para encarar aquele rosto que um dia já foi belo, que um dia já havia
sido á coisa mais linda que Carl já vira, com um sorriso que fazia com ele
perdesse o folego, um sorriso cheio de ternura. Mas não era mais o mesmo rosto,
não tinha mais o mesmo sorriso estava em decomposição, os cabelos caíra á
metade, a pele estava escura e com hematomas, mas o que mais assustava o velho
Carl eram os olhos da criatura, eram negros e não havia vida naqueles olhos.